sábado, 23 de junho de 2012

O tempo não para

Cazuza entra pela minha cabeça acentuando aquela dor que se desfaz e se constrói, tudo dentro de mim. Não demonstro, não mostro, não provo, não falo. Passei da fase 'preciso colocar tudo pra fora'.  Talvez as palavras sejam as melhores em me ajudar nesse quesito. Essa coisa de acreditar nas pessoas passou. Um pouco triste, mas talvez essencial. Ilusões são períodos deliciosos, quando não se sabe que são elas. Aquela coisa de amor continua, pois é. Um amor silencioso, quietinho, que vez em quando sai pra dar aquela espiadinha como se dissesse 'olha, você ainda ama, ainda quer, ainda precisa'. Olha, a vida não é fácil. Dramas também não fazem mais parte. Conformação é meio triste sim, mas também é uma daquelas 'essências' da vida. Todo aquele desespero de precisar dizer o que sinto, passou também. Já disse, desdisse e redisse. Cansei. A gente cansa sabe? Cansa de não ser ouvido, cansa de não ser importante, cansa de não ser valorizado. Aí chega aquele momento da vida, lindo e dolorido que diz 'olha, você tem que ser importante pra ti mesmo, precisa provar nada pra ninguém não'. É bom, e dá uma sensação de solidão meio que vitoriosa. Mas tem uns dias que parece que as estrelas vão cair na tua cabeça e você não vai ter pra onde correr. Justo as estrelas, tão lindas ilusões lá em cima? Sim, estrelas. Sabe aquele sentimento que parece lindo e distante? Não passa de uma estrela. Ando com convicções meio normais, menos mania de revolução, menos 'complexidade'. Quem sabe mais simples as pessoas passem a me entender. Ao mesmo tempo ando num período em que 'as minhas ideias não correspondem aos fatos'. Mas viver é legal. Tenho uma imensa curiosidade pra conhecer o que me espera. Ou talvez essa mania de não saber o que te espera, seja o clichê mais bonito da vida.

Mas sempre me pergunto por que, raios, a gente tem que partir.
Voltar, depois, quase impossível.
Não me mande coisas assim raivosas.
Eu não tenho anticorpos para esse tipo de coisa.
Meu ser é de faca e não de flor.
É tudo tão bonito que me dói e me pesa.
Neste exato momento tens a beleza insuportável da coisa inteiramente viva.
Tenho achado viver tão bonito.
Relaxa baby e flui: barquinho na correnteza, Deus dará.
A vida é agora, aprende.
Você não vai encontrar caminho nenhum fora de você.
E você sabe disso.
O caminho é in, não off.
Sempre há alguma coisa que falta.
Guarde isso sem dor, embora, em segredo, doa.
Loucura, eu penso, é sempre um extremo de lucidez.
Um limite insuportável.
As palavras traem o que a gente sente.
Mas sei que, por um instante, quase senti.
E eu continuo batendo batendo batendo batendo batendo nessa porta que não abre nunca.
Venha quando quiser, ligue, chame, escreva – tem espaço na casa e no coração, só não se perca de mim.
Precisa sofrer e morrer muitas vezes por dia para sentir-se vivo.
Minha vida não cabe nos trilhos de um bonde.
Não que estivesse triste, só não compreendia o que estava sentindo.
Que era uma mulher e amava.
Te procuro em outro corpo, juro que um dia te encontro.
O tempo que temos, se estamos atentos, será sempre exato.
Amor aos montes, por todos os cantos, banheiros e esquinas .
Ando com uma felicidade doida, consciente do fugaz, do frágil.
Rindo da ingenuidade, tentando penetrar em sua intimidade.
Fico pensando se viver não será sinônimo de perguntar.
Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis.
Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura.
Não sei, deixo rolar.
Vou olhar os caminhos, o que tiver mais coração, eu sigo.
Não é verdade que as pessoas se repitam.
O que se repetem são as situações.
Abraçe a sua loucura antes que seja tarde demais.
Flor e abismo. Flor é abismo.
Embora a bomba esteja nas minhas mãos, estamos todos no mesmo barco, no mesmo beco.
Se ao menos dessa revolta, dessa angústia, saísse alguma coisa que prestasse.
E como isso me doía de vez em quando.
Coisas assim, algumas ferem, mesmo essas que são bonitas.
O tempo é só uma questão de cor, não é?
Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros.
Ando bem, mas um pouco aos trancos.
 Como costumo dizer, um dia de salto 7, outro de sandália havaiana.
Você era capaz apenas de viveras superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo.
Te mando retalhos de amor.
Preciso pegar minhas coisas e partir.
Viajar, esquecer, talvez amar.
Te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê.
Não sei fazer ¨jogo social¨.
Até saberia, mas não me interessa, tenho preguiça.
Mas eu não quero ter vergonha de nada que eu seja capaz de sentir.
Mesmo sem compreender, quero continuar aqui onde está constantemente amanhecendo.
A tua estrela é muito clara.
Tenho amigos tão bonitos.
Ninguém suspeita, mas sou uma pessoa muito rica.
Fico quieto.
Primeiro que paixão deve ser coisa discreta, calada, centrada.
Melhor levar para o lado do riso do que para o stadenervos, certo?
E exigimos o eterno do perecível, loucos.
A memória da gente é safada: elimina o amargo, a peneira só deixa passar o doce.
E, de qualquer forma, às cegas, às tontas, tenho feito o que acredito, do jeito talvez torto que sei fazer.
Temos esperanças novinhas em folha, todos os dias.
Ria sozinha quase sempre,uma moça magra tentando controlar a própria loucura,discretamente infeliz.
Como se temesse revelar no sorriso todo o seu mundo interior.
Anota aí pro teu futuro cair na real: essa sede, ninguém mata!
Não estou fazendo nada errado só estou tentando deixar as coisas um pouco mais bonitas.
Incrível é encontrar o não procurado.
Achando o que não está perdido.
Matando as vontades nunca sentidas.
Mas quando desvio meu olho do teu, dentro de mim guardo sempre teu rosto.
Sinais, procuro.
Rastros, manchas, pistas.
Não encontro nada.
Foi quando eu senti, mais uma vez, que amar não tem remédio.
Sofre horrores, mas continua do bem, sempre inventando histórias com final feliz.
Amor?
Não sei.
É meio paranóico.
Parece uma coisa para enlouquecer a gente devagar.
Gastei quase todas as minhas fichas: tudo é blues, azul e dor mansinha.
Sentir sede faz parte.
E atormenta.
A gente se entrega nas menores coisas.
Aos caminhos, eu entrego o nosso encontro.
Seria bonito, e as coisas bonitas já não acontecem mais.
Estou cada vez mais bossa-nova, espiritualmente sentado num banquinho, com o violão no colo.
Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca.
Para de sonhar coloridices.
Eu quero um punhado de estrelas maduras eu quero a doçura do verbo viver.
Se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada.
Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente.
Faz tanto tempo que invento meus próprios dias.
Apanhe todos os pedaços que você perdeu nessas andanças e venha.
Porque o mundo apesar de redondo tem muitas esquinas.
Então eu imagina você vindo.
Como eu te imaginava.
Encontrei o amor.
Ele não é real, mas que se há de fazer?
A gente não pode ter tudo na vida.
Pensamentos, como cabelos, também acordam despenteados.
Um dos olhos dela sorria cúmplice.
O outro criticava, cínico.
O tempo não cura tudo, aliás, o tempo não cura nada, ele apenas tira o incurável do centro das atenções.
Guardei a minha no bolso.
E fui.
Gosto de pessoas doces, gosto de situações claras – e por tudo isso ando cada vez mais só.
Cá entre nós: fui eu quem sonhou que você sonhou comigo?
Uma pessoa não é um amontoado de frasezinhas supostamente brilhantes.
Caio F.
“Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar com ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas as tentativas de aproximação. Tenho vontade de gritar que essa dor é só minha, de pedir que me deixem só e em paz com ela, como um cão com seu osso. A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão”
Caio F.

O dia em que Júpiter encontrou Saturno

Foi a primeira pessoa que viu quando entrou. Tão bonito que ela baixou os olhos, sem querer querendo que ele também a tivesse visto. Deram-lhe um copo de plástico com vodka, gelo e uma casquinha de limão. Ela triturou a casquinha entre os dentes, mexendo o gelo com a ponta do indicador, sem beber. Com a movimentação dos outros, levantando o tempo todo para dançar rocks barulhentos ou afundar nos quartos onde rolavam carreiras e baseados, devagarinho conquistou uma cadeira de junco junto a janela. A noite clara lá fora estendida sobre Henrique Schaumann, a avenida poncho & conga, riu sozinha. Ria sozinha quase o tempo todo, uma moça magra querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz. Molhou os lábios na vodka tomando coragem de olhar para ele, um moço queimado de sol e calças brancas com a barra descosturada. Baixou outra vez os olhos, embora morena também, e suspirou soltando os ombros, coluna amoldando-se ao junco da cadeira. Só porque era sábado e não ficaria, desta vez não, parada entre o som, a televisão e o livro, atenta ao telefone silencioso. Sorriu olhando em volta, muito bem, parabéns, aqui estamos.

Não que estivesse triste, só não sentia mais nada.

Levemente, para não chamar atenção de ninguém, girou o busto sobre a cintura, apoiando o cotovelo direito sobre o peitoril da janela. Debruçou o rosto na palma da mão, os cabelos lisos caíram sobre o rosto. para afastá-los, ela levantou a cabeça, e então viu o céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Júpiter e Saturno muito próximos. Vista assim parecia não uma moça vivendo, mas pintada em aquarela, estatizada feito estivesse muito calma, e até estava, só não sentia mais nada, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava nenhum risco parada assim, meio remota, o moço das calças brancas veio se aproximando sem que ela percebesse.

Parado ao lado dela, vistos de dentro, os dois pintados em aquarela - mas vistos de fora, das janelas dos carros procurando bares na avenida, sombras chinesas recortadas contra a luz vermelha.

E de repente o rock barulhento parou e a voz de John Lennon cantou every dau, every way is getting better and better. Na cabeça dela soaram cinco tiros. Os olhos subitamente endurecidos da moça voltaram-se para dentro, esbarrando nos olhos subitamente endurecidos dos moço. As memórias que cada um guardava, e eram tantas, transpareceram tão nitidamente nos olhos que ela imediatamente entendeu quando ele a tocou no ombro.

-Você gosta de estrelas?
-Gosto. Você também?
-Também. Você está olhando a lua?
-Quase cheia. Em Virgem.
-Amanhã faz conjunção com Júpiter.
-Com Saturno também.
-Isso é bom?
-Eu não sei. Deve ser.
-É sim. Bom encontrar você.
-Também acho.

(Silêncio)

-Você gosta de Júpiter?
-Gosto. Na verdade "desejaria viver em Júpiter onde as almas são puras e a transa é outra".
-Que é isso?
-Um poema de um menino que vai morrer.
-Como é que você sabe?
-Em fevereiro, ele vai se matar em fevereiro.

(Silêncio)

-Você tem um cigarro?
-Estou tentando parar de fumar.
-Eu também. Mas queria uma coisa nas mãos agora.
-Você tem uma coisa nas mãos agora.
-Eu?
-Eu.

(Silêncio)

-Como é que você sabe?
-O quê?
-Que o menino vai se matar.
-Sei de muitas coisas. Algumas nem aconteceram ainda.
-Eu não sei nada.
-Te ensino a saber, não a sentir. Não sinto nada, já faz tempo.
-Eu só sinto, mas não sei o que sinto. Quando sei, não compreendo.
-Ninguém compreende.
-Às vezes sim. Eu te ensino.
-Difícil, morri em dezembro. Com cinco tiros nas costas. Você também.
-Também, depois saí do corpo. Você já saiu do corpo?

(Silêncio)

-Você tomou alguma coisa?
-O quê?
-Cocaína, morfina, codeína, mescalina, heroína, estenamina, psilocibina, metedrina.
-Não tomei nada. Não tomo mais nada.
-Nem eu. Já tomei tudo.
-Tudo?
-Cogumelos têm parte com o diabo.
-O ópio aperfeiçoa o real
-Agora quero ficar limpa. De corpo, de alma. Não quero sair do corpo.

(Silêncio)

-Acho que estou voltando. Usava saias coloridas, flores nos cabelos.
-Minha trança chegava até a cintura. As pulseiras cobriam os braços.
-Alguma coisa se perdeu.
-Onde fomos? Onde ficamos?
-Alguma coisa se encontrou.
-E aqueles guizos?
-E aquelas fitas?
-O sol já foi embora.
-A estrada escureceu.
-Mas navegamos.
-Sim. Onde está o Norte?
-Localiza o Cruzeiro do Sul. Depois caminha na direção oposta.

(Silêncio)

-Você é de Virgem?
-Sou. E você, de Capricórnio?
-Sou. Eu sabia.
-Eu sabia também.
-Combinamos: terra.
-Sim. Combinamos.

(Silêncio)

-Amanhã vou embora para Paris.
-Amanhã vou embora para Natal.
-Eu te mando um cartão de lá.
-Eu te mando um cartão de lá.
-No meu cartão vai ter uma pedra suspensa sobre o mar.
-No meu não vai ter pedra, só mar. E uma palmeira debruçada.

(Silêncio)

-Vou tomar chá de ayahuasca e ver você egípcia. Parada do meu lado, olhando de perfil.
-Vou tomar chá de datura e ver você tuaregue. Perdido no deserto, ofuscado pelo sol.
-Vamos nos ver?
-No teu chá. No meu chá.

(Silêncio)

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
-Vou te escrever carta e não te mandar.
-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
-Vou ver Saturno e me lembrar de você.
-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
-O tempo não existe.
-O tempo existe, sim, e devora.
-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.

(Silêncio)

-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando "Kiss, kiss, kiss". Por que você não me convida para dormirmos juntos.
-Você quer dormir comigo?
-Não.
-Porque não é preciso?
-Porque não é preciso.

(Silêncio)

-Me beija.
-Te beijo.

Foi a última pessoa que viu ao sair. Tão bonita que ele baixou os olhos, sem saber sabendo que ela também o tinha visto. Desceu pelo elevador, a chave do carro na mão. Rodou a chave entre os dedos, depois mordeu leve a ponta metálica, amarga. Os olhos fixos nos andares que passavam, sem prestar atenção nos outros que assoavam narizes ou pingavam colírios. Devagarinho, conquistou o espaço junto à porta. Os ruídos coados de festas e comandos da madrugada nos outros apartamentos, festas pelas frestas, riu sozinho. Ria sozinho quase sempre, um moço queimado de sol, com a barra branca das calças descosturadas, querendo controlar a própria loucura, discretamente infeliz.

Mordeu a unha junto com a chave, lembrando dela, uma moça magra de cabelos lisos junto à janela. Baixou outra vez os olhos, embora magro também. E suspirou soltando os ombros, pés inseguros comprimindo o piso instável do elevador. Só porque era sábado, porque estava indo embora, porque as malas restavam sem fazer e o telefone tocava sem parar. Sorriu olhando em volta.

Não que estivesse triste, só não compreendia o que estava sentindo.

Levemente, para não chamar a atenção de ninguém, apertou os dedos da mão direita na porta aberta do elevador e atravessou o saguão de lado, saindo para a rua. Apoiou-se no poste da esquina, o vento esvoaçando os cabelos, e para evitá-lo ele então levantou a cabeça e viu o céu. Um céu tão claro que não era o céu normal de Sampa, com uma lua quase cheia e Júpiter e Saturno muito próximos. Visto assim parecia não um moço vivendo, mas pintado num óleo de Gregório Gruber, tão nítido estava ressaltado contra o fundo da avenida, e assim estava, mas sem compreender, fazia tempo. Quem sabe porque não evidenciava nenhum risco, a moça debruçou-sena janela lá em cima e gritou alguma coisa que ele não chegou a ouvir. Parado longe dela, a moça visível apenas da cintura para cima parecia um fantoche de luva, manipulado por alguém escondido, o moço no poste agitando a cabeça, uma marionete de fios, manipulada por alguém escondido.

De repente um carro freou atrás dele, o rádio gritando "se Deus quiser, um dia acabo voando". Na cabeça dele soaram cinco tiros. De onde estava, não conseguiria ver os olhos da moça. De onde estava, a moça não conseguiria ver os olhos dele. Mas as memórias de cada um eram tantas que ela imediatamente entendeu e aceitou, desaparecendo da janela no exato instante em que ele atravessou a avenida sem olhar para trás.



Caio F.

Caio F.

"Ando meio fatigado de procuras inúteis e sedes afetivas insaciáveis."

"Meu coração tá ferido de amar errado."

"Acho espantoso viver, acumular memórias, afetos."

"É preciso estar distraído e não esperando absolutamente nada. Não há nada a ser esperado. Nem desesperado."

"Tô exausto de construir e demolir fantasias. Não quero me encantar com ninguém."

"Quem diria que viver ia dar nisso?"

"Mas sempre me pergunto por que, raios, a gente tem que partir. Voltar, depois, quase impossível."

"Loucura, eu penso, é sempre um extremo de lucidez. Um limite insuportável."

"Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra."

"A gente se apertou um contra o outro. A gente queria ficar apertado assim porque nos completávamos desse jeito, o corpo de um sendo a metade perdida do corpo do outro."



Caio F.

Precisar

"Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Tanto meu ciclo ascético Francisco de Assis quanto meu ciclo etílico bukovskiano. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei. Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço."

Carta para além do muro


Olha, estou escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem sempre que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro, mas eles não me deixam, você não me deixa. Hoje eu achei que ia conseguir, que ia conseguir dizer, quero dizer, dizer tudo aquilo que escondo desde a primeira vez que vi você, não me lembro quando, não lembro onde. Hoje havia calma, entende? Eu acho que as coisas que ficam fora da gente, essas coisas como o tempo e o lugar, essas coisas influem muito no que a gente vai dizer, entende? Pois por fora, hoje, havia chuva e um pouco de frio: essa chuva e esse frio parece que empurram a gente mais para dentro da gente mesmo, então as pessoas ficam mais lentas, mais verdadeiras, mais bonitas. Hoje eu estava assim: mais lento, mais verdadeiro, mais bonito até. Hoje eu diria qualquer coisa se você telefonasse. Por dentro também eu estava preparado para dizer, um pouco porque eu não agüento mais ficar esperando toda hora você telefonar ou aparecer, e quando você telefona ou aparece com aquelas maças eu preciso me cuidar para não assustar você e quando você pergunta como estou, mordo devagar uma das maçãs que você me traz e cuido meus olhos para não me trairem e não te assustarem e não ficarem querendo entrar demais no de dentro dos teus olhos, então eu cuido devagar tudo que digo e todo movimento, porque eu quero que você venha outras vezes e eles dizem que se eu me mostrar como realmente sou você vai ficar apavorado e nunca mais vai aparecer nem telefonar — eu não agüento mais não me mostrar como sou. Hoje de manhã acordei bem cedo, e depois de conversar com eles consegui permissão para caminhar sozinho no jardim, eu disfarcei muito conversando com eles porque queria muito caminhar sozinho no jardim. Àquela hora ainda não estava chovendo, ou estava, não me lembro, ou havia chovido ontem à noite, não, acho que não estava chovendo não, porque eu lembro que as folhas estavam limpas e molhadas e a terra tinha um cheiro de terra molhada: eu comecei a lembrar, lembrar, lembrar e o meu pensamento parecia um parafuso sem fim, afundando na memória, eu não suportava mais lembrar de tudo o que se perdeu, tudo o que perdi, não fui e não fiz, mas não conseguia parar. Então comecei a gritar no meio do jardim molhado com as duas mãos segurando a cabeça para que não estourasse. Aí eles vieram e disseram que não tinha jeito e que estavam arrependidos de terem me deixado sair sozinho e que aquela era a última vez e que eu disfarçava muito bem mas não conseguiria mais enganá-los. Eu disse que não tinha culpa do meu pensamento disparar daquele jeito, mas acho que eles não acreditaram, eles não acreditam que eu não consigo controlar pensamento. Então me deram uma daquelas injeções e eu afundei num sono pesado e sem saída como este espaço dentro desses quatro muros brancos. Foi depois que acordei, não sei se hoje ou amanhã ou ontem, eu te escrevo dizendo hoje só para tornar as coisas mais fáceis, foi depois que acordei que perguntei se você não tinha vindo nem telefonado, e eles disseram que você não viera nem telefonara. É provável que estivessem mentindo, eles dizem que eu preciso aceitar mais a realidade das coisas, a dureza das coisas, e às vezes penso que tornam de propósito as coisas mais duras do que realmente são, só pra ver se eu reajo, se eu enfrento. Mas não reajo nem enfrento. A cada dia viver me esmaga com mais força. Não sei se eles escondem de mim a sua visita, se não me chamam quando você telefona, se dizem que já fui embora, que já estou curado, não sei se você não vem mesmo e não telefona mais, não sei nada de ninguém que viva atrás daqueles muros brancos, você era a única pessoa lá de fora que entrava aqui dentro de vez em quando. É verdade que eles todos moram lá fora, mas é diferente, eles vivem tanto aqui dentro que não consigo acreditar que sejam iguais aos lá de fora, como você. Você, sim, era completamente lá de fora. Digo era porque faz muito tempo que você não vem, sei do tempo que você não vem porque guardei no meio das minhas roupas um pedaço daquela maçã que você me trouxe da última vez, e aquele pedaço escureceu, ficou com cheiro ruim, encheu de bichos, até que eles me obrigaram a jogar fora. Acho que os pedaços da maçã só se enchem de bichos depois de muito tempo, não sei. Parei um pouco de escrever, roí as unhas, preciso roer as unhas porque eles não me deixam fumar, reli o começo da carta, mas não consegui entender direito o que eu pretendia dizer, sei que pretendia dizer alguma coisa muito especial a você, alguma coisa que faria você largar tudo e vir correndo me ver ou telefonar e, se fosse preciso, trazer a polícia aqui para obrigá-los a deixarem você me ver. Eu sei que você quer me ver. Eu sei que você fica os dias inteiros caminhando atrás daqueles muros brancos esperando eu aparecer. Eles não deixam, acho que você sabe que eles não deixam. Não vão deixar nem esta carta chegar às suas mãos, ou vão escrever outra dizendo que eu não gosto de você, que eu não preciso de você. Mas é mentira, você tem que saber que é mentira, acho que era isso que eu queria dizer preciso escrever depressa antes que eu me esqueça do que eu queria dizer era isso eu preciso muito muito de você eu quero muito muito você aqui de vez em quando nem que seja muito de vez em quando você nem precisa trazer maçãs nem perguntar se estou melhor você não precisa trazer nada só você mesmo você nem precisa dizer alguma coisa no telefone basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio juro como não peço mais que o seu silêncio do outro lado da linha ou do outro lado da porta ou do outro lado do muro ou do outro lado.
Parei um pouco de escrever para olhar pela janela e principalmente para ver se eu conseguia deter o parafuso entrando no pensamento. Acho que consegui. Porque quando começo assim não consigo mais parar, e não quero que eles me dêem aquela injeção, não quero ouvir eles dizendo que não tem remédio, que eu não tenho cura, que você não existe. Eu acho graça e penso em como você também acharia graça se soubesse como eles repetem que você não existe. Depois eu paro de achar graça e fico olhando a porta por onde não entra o telefone por onde você não fala e me lembro do pedaço apodrecido daquela maçã e então penso que talvez eles tenham razão, que talvez você não venha mais, e com dificuldade consigo até pensar que talvez você não exista mesmo. Mas não é possível, eu sei que não é possível: se estou escrevendo para você é porque você existe. Tenho certeza que você existe porque escrevo para você, mesmo que o telefone não toque nunca mais, mesmo que a porta não abra, mesmo que nunca mais você me traga maçãs e sem as suas maçãs eu me perca no tempo, mesmo que eu me perca. Vou terminar por aqui, só queria pedir uma coisa, acho que não é difícil, é só isso, uma coisa bem simples: quando você voltar outra vez veja se você me traz uma maçã bem verde, a mais verde que você encontrar, uma maçã que leve tanto tempo para apodrecer que quando você voltar outra vez ela ainda nem tenha amadurecido direito.

Caio F.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Assumo

Inverno chegou com força por aqui. Sem metáforas de coração gelado, não me considero assim pra ser sincera. O clima anda frio. Não só aqui, mas entre nós. Estava eu lendo um texto e de repente me toquei: claro, óbvio, que eu ainda amo você. Meu Deus, como é difícil admitir isso. Sua ausência não tem adiantado nada! Ando com um vazio enorme de ti, uma coisa insaciável. Fico tentando me conter lendo conversas, mensagens, textos, lembrando de tua voz falando que me ama mas a coisa está feia mesmo. Isso me machuca de uma forma incrivelmente dolorida, mas ainda assim é o único método de me manter um pouquinho de você perto de mim. Como eu quero você perto de mim. Como tudo ainda não acabou... Pelo menos pra mim. Ando me sentindo uma otária, porque eu sei que se você chegar aqui e dizer algumas daquelas palavras que eu adoro, pronto, já sou todinha sua. O problema é que o tempo inteiro eu sou sua. E você se aproveita disso e me confunde, me deixa, me faz de idiota. Pronto, admito: preciso de você. Amo você. Quero você. Não vivo sem você. Nunca consegui e nem quero. Esquecer, esquecer. Eu não quero ter que esquecer tudo. Eu não quero me sentir como se tivesse 'morrido na praia'. Eu não quero que todo aquele sofrimento da gente não poder se tocar, se abraçar, se consolar, seja em vão. Eu quero que tudo dê certo pra nós. Eu quero nós. Amarrados, enrolados, sem chance de alguém desatar. Agora por favor, cumpra tua promessa e volta pra mim?

terça-feira, 19 de junho de 2012

Olho nos olhos


Quando você me deixou, meu bem,
Me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas depois, como era de costume, obedeci.
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando,
Me pego cantando, sem mais, nem por quê.
Tantas águas rolaram,
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você.
Quando talvez precisar de mim,
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim.
Olhos nos olhos,
Quero ver o que você diz.
Quero ver como suporta me ver tão feliz.
Chico Buarque